terça-feira, 18 de outubro de 2011

VIVER SEM VOCÊ

Às vezes acordo com a boca seca que a vida
é amarga. Às vezes a chuva é repentina e me
pega sem abrigo. Às vezes bate uma agonia
lenta e o vento arrasta qualquer esperança
para muito além do longe.
Mas é verão quando chegas e, se chove, a
chuva é de estrelas.
Há um calor de verão na mornura dos teus
pelos. Como se trouxesses, em meio à
tempestade, estrelas e calmarias.
É pouco, porque num instante o dia fica feio.
Para no outro, o sol ser de janeiro.
Ao mesmo tempo, o tempo de um minuto, o
coração desalenta, quase arrebenta.
Há uma adaga que afaga e um punhal que
alimenta. Há um azul que transpira o que a
tarde inventa.
Quando tu chegas de amor a pele sufoca. Tanto,
tanto, tanto que eu morro do amor que me toca.
Quando vais embora, quem baterá a porta?
Quem abrigará o lírio do olhar? Quem amainará
o sono de pedra? Quem irá impedir o silêncio
de atravessar janelas e se assentar na sala?
Quem tem medo de amar com receios
de sofrer passa o tempo se escondendo. Eu não.
Quero que o amor estraçalhe, que a paixão
descarrile, que a palavra nunca atrapalhe.
Por que vens de longe, de um mundo que é
encantado. E chegas no meu mundo de
sombras, no meio das trevas, e a tua lua
e os teus mistérios se debruçam sobre mim.
E eu sonho que a única razão da vida é
existires, que não há razão nenhuma se
resistires. E eu me pergunto por que
demoraste tanto que eu já estou tão pouco?
Me pedes que eu fale da vida e a vida não
tem respostas. Sinto um perfume de
açucenas vindo das profundezas do mar.
Perfume que não se dá. Vida que não se faz.
Quem colocará os guizos na manhã? Quem
decifrará a palavra nas linhas da pele?
Quem coserá a seda quando o tempo se
romper? O amor?
Te levo nos desvarios do sonho e recordo
os teus azuis. Te carrego comigo na
garupa do meu coração. Não há magias,
não há folias que eu não faça: basta o teu
coração pedir. Não há pranto que não seque
quando olhas para mim. O coração dá
pinotes, o dia dá cambalhotas e o mundo
parece uma festa que não acaba jamais.
Teu corpo é minha pátria. E dele me sinto
exilado. Porque vens de longe, eu sei. De
um tempo de sobras. Poderias chegar de
amor, mas vens feito sereias trazendo a
morte em seus cantos.
Vens cansada e o que me resta é
adormecer-te. Fazer-te velejar pelo mar
da lua cheia em seu barco de cristal.
Ouço o som deste mar, som que acalma,
que desconsola; ouço o primeiro dos
gemidos que ao meu coração chegasse.
Grito, peço e canto: deixa que o coração
chacoalhe, que a manhã desembrulhe, que
a canção nos agasalhe!
Quem disse que eu sei viver sem você!

Sérgio Napp

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