sábado, 16 de junho de 2012

Julio Cortázar ─ Rayuela, capítulo 7



Toco a sua boca, com um dedo toco o contorno da sua boca, vou desenhando
essa boca como se estivesse saindo da minha mão, como se pela primeira vez
a sua boca se entreabrisse, e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e
recomeçar. Faço nascer, de cada vez, a boca que desejo, a boca que a minha
mão escolheu e desenha no seu rosto, e que por um acaso que não procuro
compreender coincide exatamente com a sua boca, que sorri debaixo daquela
que a minha mão desenha em você.

Você me olha, de perto me olha, cada vez mais de perto, e então brincamos
de cíclope, olhamo-nos cada vez mais de perto e nossos olhos se tornam
maiores, se aproximam uns dos outros, sobrepõem-se, e os cíclopes se olham,
respirando confundidos, as bocas encontram-se e lutam debilmente,
mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua nos dentes,
brincando nas suas cavernas, onde um ar pesado vai e vem com um perfume
antigo e um grande silêncio. Então, as minhas mãos procuram afogar-se no
seu cabelo, acariciar lentamente a profundidade do seu cabelo, enquanto nos
beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de
movimentos vivos, de fragância obscura. E se nos mordemos, a dor é doce; e
se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa
instantânea morte é bela. E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura,
e eu sinto você tremular contra mim, como uma lua na água.

Julio Cortázar in: Rayuela

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