sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Educação no Brasil e "Como vencer a Pobreza e a Desigualdade."

Recebi hoje, o e-mail de uma colega, professora comprometida e preocupada com a educação fundamental e do ensino médio no Brasil. Trabalhamos na mesma escola desde 1988 na aprendizagem matemática das séries finais do ensino fundamental e muito temos discutido sobre o que vem acontecendo com a educação brasileira, com os problemas acontecidos na nossa escola, o falso paternalismo e a consequente desigualdade e pobreza geratrizes de uma educação preocupante nas escolas públicas do Brasil.
Conforme e-mail, a redação diz respeito às nossas preocupações e foi escrita por uma estudante, de direito, carioca, da UFRJ, vencedora de um concurso da UNESCO, mas antes gostaria de relatar um fato ocorrido em minha sala de aula há umas duas semanas atrás e que muito tem a ver com o contexto da redação.
Eu dou aulas à noite na Educação de Jovens e Adultos, EJA, e meus alunos deveriam ser na sua maioria, aqueles que pararam muito tempo de estudar e que agora sentem a necessidade de voltar à escola, ou porque trabalham ou porque não conseguem trabalho.
Mas hoje, a Educaçao de Jovens e Adultos deixou de ser um curso para alunos que realmente querem estudar, e contempla em sua maioria alunos que a partir dos 15 anos já podem freqüentar o noturno da EJA, muitos alunos a frequentam porque estão fora da faixa etária para estudar em um ensino regular diurno em função de múltiplas repetências, de evasão escolar ou outros problemas relacionados com desestruturação familiar e financeira, falta de atendimento especializado no que se relaciona a orientação e psicologia e muitos outros problemas afins.
Pois bem, como faço parte do Projeto UCA (OLPC), temos uma lista de e-mail de colegas, de coordenadores do Projeto (LEC - UFRGS) e de colegas do Colégio Aplicação de Porto Alegre, quando acontece algum curso gratuito e que poderia interessar aos nossos alunos é colocado na lista e repassamos as informações , principalmente para a EJA, pois muitos estão desempregados e através dos cursos muitas vezes já saem com uma orientação profissional.
Na semana que falo aqui, estavam abertas vagas para um curso gratuito de "Edição de Imagens", cujos únicos pré-requisitos seriam estar estudando e ter um conhecimento básico em Computação.
Pois bem, quando informei-os sobre o curso, um aluno desempregado de mais ou menos uns 18 anos levantou a mão e me fez a seguinte pergunta, "E quanto eles vão me pagar?", eu não entendi a pergunta e achando que ele queria dizer "e quanto tenho que pagar?" reforcei que o curso era gratuito e quais os requisitos, resposta do aluno, "não professora, quanto eles vão me pagar para eu fazer o curso? Porque o último que fiz eles me pagavam 100 reais para fazê-lo"
Pasmem porque eu também fiquei pasma e sem reação, a que ponto chegamos de ter que pagar nossos alunos de baixa renda, necessitados, de escola pública e gratuita para ter que frequentá-la, tal é a inversão de valores...
Eis o resultado das mudanças hipócritas de governos demagogos e de "quando se dá o peixe mas não se ensina a pessoa a pescar" como diz a redação de Clarice Zeitel, é muito mais fácil e barato (total no Brasil a fórmula parece que já vem pronta) , pagar um aluno para estudar do que investir na educação básica dos ensinos fundamental e médio, até porque ganhar votos com a ignorância do povo parece ter sido sempre um dos lemas brasileiros.


REDAÇÃO DE ESTUDANTE CARIOCA VENCE CONCURSO DA UNESCO COM 50.000 PARTICIPANTES.

Tema:'Como vencer a pobreza e a desigualdade'
Por Clarice Zeitel Vianna Silva
UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro - Rio de Janeiro - RJ


'PÁTRIA MADRASTA VIL'
Onde já se viu tanto excesso de falta? Abundância de inexistência... Exagero de escassez... Contraditórios?? Então aí está! O novo nome do nosso país! Não pode haver sinônimo melhor para BRASIL.
Porque o Brasil nada mais é do que o excesso de falta de caráter, a abundância de inexistência de solidariedade, o exagero de escassez de responsabilidade.
O Brasil nada mais é do que uma combinação mal engendrada - e friamente sistematizada - de contradições.
Há quem diga que 'dos filhos deste solo és mãe gentil.', mas eu digo que não é gentil e, muito menos, mãe. Pela definição que eu conheço de MÃE, o Brasil está mais para madrasta vil.
A minha mãe não 'tapa o sol com a peneira'. Não me daria, por exemplo, um lugar na universidade sem ter-me dado uma bela formação básica.
E mesmo há 200 anos atrás não me aboliria da escravidão se soubesse que me restaria a liberdade apenas para morrer de fome. Porque a minha mãe não iria querer me enganar, iludir. Ela me daria um verdadeiro Pacote que fosse efetivo na resolução do problema, e que contivesse educação + liberdade + igualdade. Ela sabe que de nada me adianta ter educação pela metade, ou tê-la aprisionada pela falta de oportunidade, pela falta de escolha, acorrentada pela minha voz-nada-ativa. A minha mãe sabe que eu só vou crescer se a minha educação gerar liberdade e esta, por fim, igualdade. Uma segue a outra... Sem nenhuma contradição!
É disso que o Brasil precisa: mudanças estruturais, revolucionárias, que quebrem esse sistema-esquema social montado; mudanças que não sejam hipócritas, mudanças que transformem!
A mudança que nada muda é só mais uma contradição. Os governantes (às vezes) dão uns peixinhos, mas não ensinam a pescar. E a educação libertadora entra aí. O povo está tão paralisado pela ignorância que não sabe a que tem direito. Não aprendeu o que é ser cidadão.
Porém, ainda nos falta um fator fundamental para o alcance da igualdade: nossa participação efetiva; as mudanças dentro do corpo burocrático do Estado não modificam a estrutura. As classes média e alta - tão confortavelmente situadas na pirâmide social - terão que fazer mais do que reclamar (o que só serve mesmo para aliviar nossa culpa)... Mas estão elas preparadas para isso?
Eu acredito profundamente que só uma revolução estrutural, feita de dentro pra fora e que não exclua nada nem ninguém de seus efeitos, possa acabar com a pobreza e desigualdade no Brasil.
Afinal, de que serve um governo que não administra? De que serve uma mãe que não afaga? E, finalmente, de que serve um Homem que não se posiciona?
Talvez o sentido de nossa própria existência esteja ligado, justamente, a um posicionamento perante o mundo como um todo. Sem egoísmo. Cada um por todos...
Algumas perguntas, quando auto-indagadas, se tornam elucidativas. Pergunte-se: quero ser pobre no Brasil? Filho de uma mãe gentil ou de uma madrasta vil? Ser tratado como cidadão ou excluído? Como gente... Ou como bicho?


Premiada pela UNESCO, Clarice Zeitel, de 26 anos, estudante que termina faculdade de direito da UFRJ em julho, concorreu com outros 50 mil estudantes universitários.
Ela acaba de voltar de Paris, onde recebeu um prêmio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) por uma redação sobre 'Como vencer a pobreza e a desigualdade'.


A redação de Clarice intitulada `Pátria Madrasta Vil´ foi incluída num livro, com outros cem textos selecionados no concurso. A publicação está disponível no site da Biblioteca Virtual da Unesco.
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Cultura é Paz.

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