domingo, 1 de julho de 2012

[...]


Às vezes“
Sinto-me batendo nas teclas de um piano mudo
Surpreendo-me camponês
Semeando terras estéreis
Vejo-me voando com asas de cera
Cada vez mais alto, tentando alcançar teus olhos
Tentando alcançar com a ponta dos dedos


Uma lágrima que cai com o vento
Uma gota que se estilhaça ao me aproximar
Me faz parar, deitar e chorar
E te abandonar
E te deixar só em tua ilha distante
Longe dos meus versos azuis
Longe do meu olhar suplicante
Nunca saberás, então
Quanta saudade sentirei no primeiro segundo
No instante em que me rasgar tua ausência
Nunca saberás qual é o gosto de minha essência


Não posso mais vagar pelas trevas
De tua velha mansão em ruínas
Não consigo buscar-te às cegas
Numa queda livre que nunca termina
No entanto
Se tudo que fomos foi poesia
Deixo-te uma garrafa de minha essência
Infelizmente
Vazia.

Fernando Pessoa, in Diário, Fev.-Abr. 1913

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