quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012


"No mundo de cá, as relações se dão na superfície. Eu fico sobre
uma pedra no rio e, enquanto você estiver na outra, saudável,
amoroso e alto-astral, nós nos amamos. Se você afundar, eu não
mergulho para te dar a mão, eu pulo para outra pedra e começo
outra relação superficial. Mas o que pode ser mais arrebatador
nesse mundo do que o encontro entre duas pessoas? Para mim,
reside aí todo o mistério da vida, a intenção mais genuína de um
abraço. Encontrar alguém para encostar a ponta dos dedos no
fundo do rio - é o máximo de encontro que pode existir, não mais
que isso, nem mesmo no sexo. Encostar a ponta dos dedos no
fundo do rio. E isso não é nada fácil, porque existem os dragões
do abandono querendo, a todo instante, abocanhar os nossos
braços e o nosso juízo. Mas se eu não atravessar isso agora, a
minha arte será uma grande mentira, as minhas histórias de
amor serão todas mentiras, o meu livrinho será uma grande
mentira porque neles o que impera mais que tudo é a lealdade,
feito um Sancho Pança atrás do seu louco Dom Quixote, é a
certeza de existir um lugar, em algum canto do mundo, onde a
gente é acolhido por um grande amigo. É por isso que eu tenho
de ir. E porque eu não quero passar a minha existência pulando
de pedra em pedra, tomando atalhos de relações humanas.
Eu vou mergulhar com o meu amigo, ainda que eu tenha de ficar
em silêncio, a cem metros de distância. Eu e o meu boneco de
infância, porque no meu mundo a gente não abandona sequer os
bonecos que foram nossos amigos um dia.

Agora em silêncio, tentando ensinar dragões a nadar."

Texto: Rita Apoena
Foto: Sérgio Saraiva


















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