quarta-feira, 15 de maio de 2013

SARRO

Sou teu escravo, mas não me tens cativo
e sendo minha não serás meu gado
proprietária da graça que te faz rainha
impões com a beleza o que me dá vontade

Perguntam como faço quando estás sozinha
e cuidas do teu corpo, extrema divindade
digo que me deito à espreita da vinha
apogeu da festa sem papéis trocados

A não ser que o curral onde o desejo esgrime
abrigue uma transgressão de personagens
e viramos bichos farejando o orgasmo

A submissão se exime e pede licença
deixa de ser tortura, exílio e desavença
e se transforma no sorvo de infinito sarro


Nei Duclós

PRESSA

Poema feito às pressas, pálida doçura
como açúcar posto em toalha de linho
junto ao café, forte e meio ardido
a temperar o beijo dado na saída

Passo a mão de leve em tua cintura
na hora de acender o fogaréu do dia
homenagem à noite, rasgo de ternura
ruptura de um grito que acordou o susto

Fosse verão estarias bem curtinha
com vestes do algodão mais sem vergonha
o que mostra a renda, palpitando fugas

Mas é quase junho, flor da minha alegria
preciso ir embora, fingir que não descuido
despertadora do meu olhar comprido

Nei Duclós


terça-feira, 14 de maio de 2013

Hilda Hilst

"Que boca há de roer o tempo? Que rosto
Há de chegar depois do meu? Quantas vezes
O tule do meu sopro há de pousar
Sobre a brancura fremente do teu dorso?
Atravessaremos juntos as grandes espirais
A artéria estendida do silêncio, o vão
O patamar do tempo?
Quantas vezes dirás: vida, vésper, magna-marinha
E quantas vezes direi: és meu. E as distendidas
Tardes, as largas luas, as madrugadas agônicas
Sem poder tocar-te. Quantas vezes, amor
Uma nova vertente há de nascer em ti
E quantas vezes em mim há de morrer."

Hilda Hilst

Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.
Antes, o cotidiano era um pensar alturas
Buscando Aquele Outro decantado
Surdo à minha humana ladradura.
Visgo e suor, pois nunca se faziam.
Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo
Tomas-me o corpo. E que descanso me dás
Depois das lidas. Sonhei penhascos
Quando havia o jardim aqui ao lado.
Pensei subidas onde não havia rastros.
Extasiada, fodo contigo
Ao invés de ganir diante do Nada.

Hilda Hilst


"Colada à tua boca a minha desordem.
O meu vasto querer.
O incompossível se fazendo ordem.
Colada à tua boca, mas
escomedida
Árdua
Construtor de ilusões examino-te
ôfrega
Como se fosses morrer colado à
minha boca.
Como se fosse nascer
E tu fosses o dia magnânimo
Eu te sorvo extremada à luz do amanhecer."

Hilda Hilst

E por que haverias de querer minha alma
Na tua cama?
Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas
Obscenas, porque era assim que gostávamos.
Mas não menti gozo prazer lascívia
Nem omiti que a alma está além, buscando
Aquele Outro. E te repito: por que haverias
De querer minha alma na tua cama?
Jubila-te da memória de coitos e de acertos.
Ou tenta-me de novo. Obriga-me.

Hilda Hilst

"Antes que o mundo acabe,
deita-te e prova
Esse milagre do gosto
Que se fez na minha boca
Enquanto o mundo grita
Belicoso...
E nos cobrimos de beijos
E de flores...
...antes que o mundo se acabe."

GRITO MUDO

Grito mudo de tanta delicia
mulher que respira comigo bem junto
rasgo de sol no corpo úmido
tanta beleza, tanto desejo,
quero pousar a mão em tua pele
plena de incêndio.

Te beijo, encaixe perfeito
um sonho reto e firme, alcançar tuas nuvens,
navegar tuas pétalas para nos desmanchar em folhas
flor que devoro nua em segredo

Nessas profundezas teço uma incursão dos meus impulsos,
rompendo a timidez e me fazendo fundo,
enquanto teus óleos de amêndoas tão femininas
me inundam de prazer compartilhado que busca o infinito.

Levei para o sono esse mergulho,
enlaçado na possível comunhão de vontades mútuas.
Tua flor vermelha me tirou o fôlego
Fecho os olhos com teu beijo e sonho.

Dentro de ti navego, num mar de delicia.
Fantasio esse toque, imagino tanta pele,
quero mergulhar nesse segredo.
Vontade de mais querer, trêmula e feminina
Se dissolva nesse sonho que é pura beleza
Risco tua pele que se arrepia e vira um lago por dentro
Tuas águas interiores, lá bebo num aperto.

Tu e eu, segredos num toque bonito, a distancia,
mas próximos, o querer tecido na noite de poucas palavras,
só essa vontade, tateada, trêmula, de diferenças que se olham.
Um bom dia longo como um beijo molhado que não acaba.

E tudo volta à poesia, pousa a passarinha
na copa alta das palavras mais plenas de doçura

Nei Duclós